domingo, 23 de setembro de 2012

      Está a chover.
      A chávena de café treme em cima da secretária, a transbordar do líquido escuro e espesso.
      Está a chover.
      Bebo o meu primeiro gole, à espera que o telemóvel vibre a qualquer momento.
      Está a chover.
      Já não me lembro de como é que este dia começou, nem de como é que de repente esta enxurrada de chuva começou a estalar contra a minha janela. Gotas escorrem pelo vidro, quase como lagartas, até se evaporarem.
      O café está quente. Demasiado quente para que eu continue a beber. Passo os olhos pela máquina de escrever, intacta, ao seu lado. Não há folhas no seu rolo. Há dias que as páginas se mancham de borrões de tinta sem qualquer significado, até se terem sumido para sempre.
       Está tudo silencioso. A guitarra, desafinada como sempre, está metida a um canto, e os livros escolares empilham-se no estranho baú de madeira. Até o podia abrir, mas está extravasado do tipo de memórias que preferia evitar...
      Entretanto, continua a chover. Consigo ver o pavimento cinzento a ser chicoteado por elevações de água. Parece que, subitamente, a chuva engrossou, entupindo a visão que eu outrora tinha da rua. É uma rua feia, nunca gostei dela. Por um lado, porque temos grandes prédios sem interesse nenhum. Por outro, porque odeio a terra molhada e os gigantescos calhaus que revolvem pela rua acima, apetrechada de gruas e guindastes.
      Bebo o resto do café num instante. E eu que pensava que estaria aqui eternamente, com a chávena e...
Mas, esperem! A chuva parou. Foi como se tivessem carregado no botão «pausa» do comando, e a cena se tivesse paralisado. As gotas fixam-se, estáticas, na janela. Já só se vê, no fundo da chávena, um contorno castanho aguado. Acabou.
    É estranho. Há minutos atrás estavam aqui. Ponho a chávena a um canto, pergunto-me por que é que estou a escrever, enquanto o baú me perscruta... «abre-me», parece ele dizer, enquanto me levanto e dirijo ao seu encontro.